Alessandro Zanardi

Uma medalha na maratona dos Jogos Paraolímpicos de Londres, no ano que vem. Esse é o mais novo objetivo de Alessandro Zanardi. E, confesso, não ficarei surpreso se ele conseguir. Esse simpático italiano de Bolonha já passou por desafios muitos maiores. Com maestria.

Alex teve as pernas amputadas após acidente em prova da Champ Car, no circuito de Lausitzring, Alemanha. Tragédia, aliás, que completou dez anos no último dia 15. No entanto, meses após o acidente, Zanardi, com próteses ortopédicas, já caminhava; pouco tempo depois, voltava às pistas. A bordo de carros com controles manuais, até venceu corridas pelo Campeonato Italiano de Superturismo e o Mundial de Carros de Turismo, o WTCC.

Fato é que, além de fã incondicional de Zanardi – por tudo que ele fez nas pistas e, sobretudo, fora delas, tive a imensa felicidade de entrevistá-lo. Foi em abril de 2009. Ele não quis falar sobre sua passagem na Fórmula-1, mas foi atencioso e simpático durante todo tempo. Virtudes que ficam evidentes durante nosso papo, que segue nessa coluna.

Como seria bom se os autódromos pelo mundo fossem repletos de sujeitos como Alessandro Zanardi…

Rafael Ligeiro: Apesar de participar de corridas de diversas categorias entre 1991 e 2008, sua carreira nesse período está mais associada à Fórmula-1, Champ Car e ao Mundial de Carros de Turismo (WTCC). Quais são as diferenças e semelhanças que você encontrou nesses três campeonatos?

Alessandro Zanardi: Essas categorias estão diferenciadas principalmente pela relação entre potência, aderência dos pneus e downforce. Os carros de turismo possuem menos potência que os de Fórmula, bom grip e nada de downforce. Portanto, o estilo de pilotagem é sempre o mesmo. Tanto faz se você está à frente ou atrás do carro de outro competidor. Dado que tem menos potência (que um Fórmula-1, por exemplo), você pode retardar ao máximo a freada. Mas a diferença entre a velocidade máxima (na reta) e a de curva num carro de turismo não é tão acentuada como quando você tem atrás de você um motor com mais de mil cavalos de potência. O fato de frear mais tarde pode ser que não seja tão relevante como ter uma condução sem sobressaltos, porque tem de manter a velocidade na curva para retomar as retas com a maior velocidade possível. Devido à falta de potência, o que se ganha nesse trecho acaba indo embora na reta seguinte. Se sair da curva dois quilômetros por hora mais rápido, geralmente mantém, durante toda a reta, a diferença ganha. É por isso que tem de pilotar de modo agressivo. Trata-se ainda de manter o controle do carro durante todo tempo. É crucial manter a velocidade durante cada curva para, depois, acelerar forte.

Com a velocidade de um Fórmula-1, é importante frear bem tarde e de tal maneira que você possa aproveitar o downforce do carro. Se você aciona o freio do carro sob altíssima velocidade, é quase impossível travar as rodas devido ao downforce. Só quando está reduzindo a velocidade à entrada da curva é que se obtêm a frenagem. Não importa se chega quase a zero (quilômetros por hora), sempre e quando possa virar com astúcia, recupera a potência rapidamente. Simplesmente tem muita potência. Ainda que pise no acelerador uns décimos antes da saída da curva, deverá fazê-la muito rápido. Mesmo se perder algo de velocidade na metade da curva, isso será sanado se acelerar um pouco antes da saída da curva.

Já com um IndyCar, o piloto leva esse extremo um pouco “mais para lá”, dado que o carro é muito pesado. Mas, para compensar, o monoposto possui uma aderência muito boa graças aos pneus slicks. Possui muita carga aerodinâmica – mais até que um F-1 – e também muita potência, pelo menos enquanto corria com esses carros. Tínhamos mais potência até que os carros de F-1. Ao frear com esses veículos, sua trajetória na curva poderia ser definida como um V, ou seja, freia, vira e volta a acelerar. Um carro com essas características permite ao piloto ganhar tempo na curvas de maneira rápida.

RL: Em 2006 você pilotou um BMW Sauber adaptado, com controles manuais. Você acredita que os times de Fórmula-1 estão preparados e dispostos a conceder um carro para um piloto com deficiência física ao longo de uma temporada?

AZ: Pessoalmente, penso que isso nunca acontecerá. Mas nunca pensei que Kimi Räikkönen poderia ganhar a temporada 2007 de Fórmula-1. E ganhou. Para mim, minha desvantagem era uma vantagem. Sem ela, eu não poderia ter a oportunidade de conduzir outra vez um carro de Fórmula-1. Era algo excepcional, não apenas para mim, mas para a BMW e o mundo inteiro. Isso não quer dizer que eu era completamente rápido nesses testes. Foi apenas uma única situação.

RL: Aliás, você já viajou quase o mundo inteiro. Qual é a sua avaliação sobre a estrutura oferecida a deficientes físicos pelo mundo? Quais localidades são bons ou maus exemplos sobre isso?

AZ: Eu não estive nos países escandinavos recentemente, mas há vinte anos passei muito tempo na Suécia. Na época, as instalações públicas eram completamente bem equipadas para facilitar a vida dos deficientes físicos. Você nunca tem problema para encontrar um carro com controles manuais nos Estados Unidos. Esses carros já estiveram disponíveis em Roma – mas agora não mais. Isso dá uma ideia de quão grande são as diferenças entre as localidades.

RL: Assim como outros pilotos, você encontrou dificuldades para convencer sua família quanto ao seu ingresso no kart. Conheço casos diferentes do seu no Brasil, mais precisamente de garotos que apenas iniciam no kart para agradar ao ego dos pais. O que você pensa sobre essa situação?

AZ: Penso que não estamos falando apenas sobre kart. É a maneira como o mundo está indo. Tudo está mudando. Na busca pela total liberdade nos transformamos em escravos exatamente dessa liberdade. Isso se nota na educação. Se eu fiz nove de dez coisas corretas quando eu era criança, e fiz somente uma errada, meu pai me repreendia pela que eu fiz errada. Hoje os garotos fazem nove de dez coisas erradas e esperam recompensa pela única correta. Isso é errado, mas é a realidade. Eu penso que muita gente oferece demais aos seus filhos, fazendo somente com que as crianças não saibam o que elas realmente querem. Muitos pais confundem suas crianças. Mas ainda há alguns garotos que possuem a dedicação necessária. Se isso é combinado com talento natural, terão sucesso. Eu conheço alguns desses garotos.

RL: Você é grande amigo de um brasileiro campeão das pistas. Não revelarei o nome dele, mas ele é narigudo e vocês se chamavam de “Pinto” nos tempos de Champ Car. Sabe quem é ele? Como vocês começaram a trocar esse apelido que no Brasil seria, digamos, exótico?

ZANARDI: Antes de tudo, “Pinto” é obviamente uma má palavra em português. Esse era um apelido que nós (Zanardi e o “piloto misterioso”) usávamos para chamar um ao outro até quando o indivíduo que você se refere estava indo à coletiva de imprensa após o treino para uma etapa da Champ Car no Rio de Janeiro, quando ele marcou o terceiro melhor tempo. Eu já estava na sala, quando ele me viu e gritou à distância, euforicamente: “Pintoooo!”. Eu perguntei a ele: “Onde você pensa que nós estamos?” Desde então decidi que só iria chamá-lo de “Pinto”. Claro que estou falando de Tony Kanaan.

Por Rafael Ligeiro
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