American dream

A luz no fim do túnel para que a Fórmula-1 conte com duas dezenas de carros no grid até 2010 vem, agora, dos Estados Unidos. Em notícia publicada no dia quatro, o site alemão de automobilismo Motorsport-total.com afirma que, ainda em fevereiro, será anunciada a criação de uma equipe norte-americana: a USF1. Adepto da filosofia “Ver para crer” de São Tomé, penso que é preferível esperar, evitar encomendar bolo, brigadeiros, sanduíche com patê de atum. Mas algo já vale ressaltar. Se confirmado, trata-se de projeto ousado. Apesar de dois títulos e uma porção de GPs disputados em nove pistas, os Estados Unidos sempre mantiveram relação gélida e sem gosto com a F-1. A única diferença é que, em dados momentos, estiveram próximos; em outros, como nos últimos 16 campeonatos, distantes.

Uma das provas de que Estados Unidos e Fórmula-1 andam fora de sintonia é que apenas Scott Speed e Michael Andretti representaram os States em provas da categoria entre 1993 – ano de ascendência da já extinta Fórmula Indy – e 2007. Speed, que correu em 2006 e 2007 pela Toro Rosso, sequer pontuou. Já Andrettinho – como Nelson Piquet gosta de chamá-lo – foi responsável pelos últimos pontos ianques, com um terceiro lugar no GP de Monza de 1993, a bordo de um McLaren-Ford. Esse foi ainda o último pódio de um representante dos Estados Unidos que, aliás, não fatura uma vitória no certame desde 27 de agosto de 1978, com Mario Andretti na etapa de Zandvoort, Holanda.

É fácil entender parte importante da engrenagem que faz o certame da FIA não despertar tanto interesse na terra do tio Sam quanto Nascar ou Indy Racing League. O norte-americano, seja por preferência ou puro patriotismo, encontrou sua referência no automobilismo por meio de eventos com carros tecnicamente semelhantes, provas em ovais, ultrapassagens às dúzias e vitórias decididas apenas metros antes da quadriculada. Tal cenário é comum em certame como Nascar, IRL e outras categorias por lá; não na Fórmula-1.

No campeonato de Mosley e Ecclestone, os equipamentos são oriundos de várias fabricantes, o que torna as diferenças técnica e econômica acentuadas. De quebra, os circuitos mistos, que formam 100% do calendário da categoria, possuem zonas de escape maiores que as presentes nos ovais, algo que facilita o resgate de carros acidentados. Isso significa menos possibilidades de bandeiras amarelas. Sim, as amarelas que tanto aparecem nos ovais e colocam todos competidores novamente próximos, num pelotão, para delírio dos fãs de equilíbrio e disputas.

Alheio ao que a tal USF1 poderia fazer em pista, a presença da escuderia seria bem-vinda porque engordaria um grid raquítico em número de carros. Embora seja favorável à idéia de Bernie Ecclestone de que mais importante que a presença de uma décima equipe no grid é a qualidade dos pilotos – que cá entre nós, anda boa – fato é que, com mais dois carros nas pistas, até mesmo que sejam pouco competitivos, abre-se espaço para que talentos mostrem serviço. Tome a Minardi por exemplo. Entre 1996 e 2001, o time italiano revelou dois vencedores de corridas (Giancarlo Fisichella e Jarno Trulli) e um bicampeão de Fórmula-1 (Fernando Alonso). E vale lembrar que, segundo a matéria do Motorsport-total.com, a USF1 pretende ter dois pilotos norte-americanos como titulares.

Há quem possa pensar que, pelos últimos resultados na F-1, os Estados Unidos passam por uma tremenda falta de pilotos. Ledo engano. Os Estados Unidos é um celeiro de talentos do esporte a motor. A única questão é o target, diferenciado. Desde as primeiras competições, os pilotos parecem interessados em, futuramente, correr na Nascar ou Indy Racing League; se não chegarem lá, Grand-Am, ALMS e certames satélites da Nascar são boas opções. E é nesses campeonatos, ou bem próximo deles, que os talentos estadunidenses se encontram. “Quero ser campeão de F-1” é coisa rara de se ouvir dos volantes mais jovens; quase uma heresia. Contudo, os norte-americanos possuem profissionais capazes de, ao menos, não fazer feio na F-1.

Marco Andretti é um dos pilotos mais rápidos nos mistos da IRL e mostra evolução nas provas da A1 GP. Até já testou pela equipe Honda de F-1, em 2007. Ryan Hunter-Reay é outro piloto com bom rendimento no tipo de traçado predominante na categoria da FIA. Apesar de não encantar a ninguém nos tempos de Toro Rosso, Scott Speed é experiente, poderia ajudar no desenvolvimento do equipamento. Já Danica Patrick… Bem, longe de saber o que ela poderia proporcionar em pista, não tenho dúvidas de que causaria um alvoroço de mídia parecido ao do pós-título de Lewis Hamilton apenas pela simples presença em Grandes Prêmios.

Independente dos escolhidos, fato é que a USF1 – e qualquer projeto norte-americano na F-1 – conta com um forte aliado: Bernie Ecclestone. Astuto, sabe que, apesar da crise, os Estados Unidos continua como maior potência do mundo e, de quebra, possui um público que gosta de automobilismo. Talvez jamais seu produto obtenha a condição de número um na terra do tio Sam. Mas não é isso que a turma da F-1 almeja. Ao menos, inicialmente. De fato, os olhos estão voltados ao excelente número de consumidores em potencial nos States. Afinal, automobilismo também é business.

Claro que trata-se de um desafio grande até para um sujeito que levou a categoria à novas forças econômicas, lugares onde jamais se imaginaria que a categoria da FIA desembarcaria. Países que oferecem quantias assustadoramente superiores a de nações européias por um Grande Prêmio e, de quebra, onde as restrições à propaganda de tabaco – tão comunais no Velho Continente – passam longe.

Se der certo será muito bom. Ou será very good?!

Papo Ligeiro
Nove circuitos- Escrevi, no início do texto, que nove circuitos norte-americanos foram palco de etapas da Fórmula-1. São os seguintes: Riverside, Sebring, Watkins Glen, Long Beach, Las Vegas, Dallas, Detroit, Phoenix e Indianápolis. Detalhe é que o popular circuito de Indiana abrigou provas no traçado oval, de 1950 a 1960, e no misto, de 2000 a 2007.

Comentário do Editor:
A partir de 2012 entrou o décimo circuito americano na F1: o Circuito das Américas, baseado em Austin, no Texas. Desde essa temporada, e até a atualidade, esse circuito permanece na ativa. Até 03 de novembro de 2019 já foram disputados oito GPs.

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