Tonelada de competência

“O que pesa mais: uma tonelada de chumbo ou uma tonelada de algodão?”. Lembro bem quando, em meus tempos de colégio, um professor de matemática lançou tal pegadinha aos alunos. Imediatamente, cochichos e risadas deram lugar a um silêncio absoluto em sala de aula. Ninguém parecia saber a resposta. Tampouco exibia disposição para arriscá-la. Medo de vaias e demais zoeiras que agraciavam os que cometiam gafes na classe. Logo o mestre tratou de repetir a questão, vagarosamente. Daí, a turma matou a charada. “Os dois tem o mesmo peso, professor”.

Tal tema parece estranho em nossa coluna de esporte a motor. Mas explico. Existem pessoas, de fãs de automobilismo a colegas de imprensa, que ainda não aprenderam a mensurar o tamanho de uma vitória nas pistas. Tampouco a capacidade de um piloto. Para elas, arrojo ao volante de um carro de corrida parece sempre pesar mais que pilotagem consistente, inteligente, sem sobressaltos. Alheio às quantidades envolvidas na comparação. Vide Jenson Button. Nessas semanas posteriores ao GP Brasil, onde o inglês garantiu o título da temporada 2009 de Fórmula-1, escutei muita gente alegar que Button é um piloto sem ousadia para ser campeão.

Mas o que seria necessário a um piloto para ser classificado como ousada, arrojada? Longe de buscar o significado de tais adjetivos em dicionários, repassei essa questão a alguns desses contestadores do ex-pupilo de Frank Williams. Parecer guiar no limite todo tempo e mostrar-se capaz de ir bem além das limitações do carro foram características citadas. Sem esquecer das ultrapassagens, que o piloto arrojado busca sob qualquer circunstância. Pouco importa se o trecho da pista facilita adiantamentos; se a manobra será por dentro ou por fora do traçado ideal. Todas essas particularidades também foram mencionadas por jornalistas de automobilismo e pilotos, que acionei para evitar o temido e famigerado “fontismo”.

É compreensível desejar que os campeões sejam pilotos com tocada, digamos, agressiva. Trata-se de uma espécie de recompensa. Alheio ao resultado, esses profissionais se sobressaem, são garantias de bom show em corridas constantemente marcadas por escassez de disputas e emoção. Basta lembrar do alvoroço causado por Juan Pablo Montoya em suas mirabolantes ultrapassagens numa época não muito remota, quando Michael Schumacher dominava a Fórmula-1. No entanto, pilotagem ousada – entenda-se também como arrojada e demais sinônimos – jamais foi garantia de título. Do contrário, como explicar o fato de Ronnie Peterson, Gilles Villeneuve e Jean Alesi, mestres em matéria de audácia nas pistas, nunca terem sido campeões na categoria da FIA?

Ser campeão de Fórmula-1 é algo que vai muito além de arrojo. Em uma categoria top em tecnologia, carro extremamente competitivo é indispensável. O equipamento e o nível dos adversários devem ser considerados, assim como quesitos extrapista são importantes. É preciso ser forte nos bastidores, ganhar a preferência da equipe frente ao team-mate e, algumas vezes, até desequilibrar os rivais – o tal de mind game. Já mesclar qualidades é necessário no referente ao piloto em pista. Ele tem de ser veloz e agressivo, é verdade. Porém deve, sobretudo, ser constante e inteligente para evitar deslizes que custem pontos preciosos na busca pelo caneco. Afinal, por mais competitivo que seja um equipamento, é comum que em algumas ocasiões não seja o suficiente para dar ao piloto a chance de brigar por vitórias.

Fato é que Jenson Button fez bem a lição de casa em 2009. E a fez no momento certo. Nas sete primeiras corridas da temporada, quando os carros da Brawn já eram uns foguetes e a principal adversária, a Red Bull, estava um pouco distante, Button faturou quatro pole positions, um terceiro lugar e seis vitórias. Foram 61 pontos, nada menos que 93,8% da pontuação máxima no período.

Tudo bem. Há quem possa afirmar que as marcas do inglês no restante do ano foram discretas. De fato, foram. Jenson marcou somente 34 pontos nas últimas dez provas de 2009. Foi apenas o sexto maior pontuador no ciclo. Pódios? Dois: segundo e terceiro lugares respectivamente em Monza e Abu Dhabi. Contudo, somado a um início de ano quase perfeito – e ao equilíbrio entre Red Bull, McLaren e Ferrari na época menos prolífera de Button, tal rendimento foi suficiente para garantir ao britânico o título do campeonato, com uma corrida de antecedência, em Interlagos.

Aliás, a prova brasileira foi uma das ocasiões no ano em que Button ousou. E com muita inteligência. Apenas 14º colocado no grid, o inglês escapou das confusões da largada. Ao final da primeira volta, já ocupava o nono posto. Depois ganhou três posições com manobras seguras, sem margem para incidentes com os adversários.

Agora, convenhamos. O que os contestadores de Button queriam? Que quando o britânico estivesse na liderança de um GP fizesse manobras espetaculares para ultrapassar retardatários? Se concentrasse em cravar a volta mais rápida das corridas, que não assegura um mísero pontinho? Vencesse ao menos 16 das 17 provas do ano? Que na parte de resultados mais modestos arriscasse tudo por um pontinho a mais, sob o risco de perder três ou quatro em caso de um acidente? Ou será que com um carro que em algumas corridas parecia andar em trilhos, tamanha a estabilidade, o inglês teria de dar tchauzinho à torcida após entrar com o BGP001 “atravessado” nas curvas e passar com duas rodas pela zebra?

Ô, moçada exigente!

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Tudo bem no ano que vem- Alguns certamente devem ter estranhado o fato de, nas últimas colunas, não ter expressado preferência por nenhum dos candidatos à presidência da Federação Internacional do Automóvel (FIA). Acontece que pouco importava se o escolhido seria Jean Todt ou Ari Vatanen. Apesar de algumas diferenças em suas bases políticas, ambos deixavam evidente que a prioridade era aproximar novamente a FIA e a Associação das Equipes de Fórmula-1 (Fota). Algo necessário e muito bem-vindo depois de um ano marcado por tantas confusões entre Mr. Max Mosley e os cartolas das escuderias.

Pai e filho- Pouco após conquistar o oitavo lugar no GP Brasil, Rubens Barrichello saiu do cockpit do Brawn número 23 e tratou de cumprimentar ao companheiro de equipe, Jenson Button, pela conquista do título da temporada 2009. Os telespectadores puderam acompanhar isso durante a transmissão televisiva da prova brasileira. Contudo, bem além da telinha, no box da Brawn, a primeira saudação de Rubinho coube ao filho, Eduardo, de oito anos. Ambos trocaram um forte e afetuoso abraço. Há quem garanta que alguns mecânicos que presenciaram a cena teriam se emocionado.

Perto de Le Mans- Nelsinho está bem cotado na Le Mans Series. Uma fonte europeia me garantiu que algumas equipes da categoria estariam interessadas em contar com o brasileiro na próxima temporada. Aliás, uma delas estaria bem próxima de oficializar convite. Contudo a tendência é que qualquer proposta fora da Fórmula-1 não seja aceita tão prontamente pelo ex-piloto da Renault. Motivo: Nelsinho ainda espera uma vaga no grid da maior categoria do automobilismo em 2010.

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